Entrevista com Gazua

Com três álbuns na bagagem, os Gazua assumem-se como a mais forte referência do punk rock cantado em Português e que em Contracultura voltam a demonstrar estar em excelente forma. João Corrosão, vocalista e guitarrista, falou-nos dos sentimentos que habitam o seio da banda e confessou-nos que a banda tem vontade de evoluir ainda mais num futuro quarto álbum.

Com Contracultura atingem a importante marca de 3 álbuns. Consideram que já atingiram a maturidade criativa?
O trabalho de estúdio ajuda realmente a banda a crescer e com o terceiro disco ganhámos sem dúvida maturidade em termos de composição e em termos de grupo. Curiosamente, esta é agora a altura em que nos queremos afastar um bocado da fórmula que usámos até aqui e arriscar um pouco mais criativamente, e por isso a maturidade criativa será posta à prova quando começarmos a preparar um quarto disco. Acima de tudo, penso que aprendemos a lidar uns com os outros e isso é um passo muito importante para o futuro de uma banda.
Na vossa opinião, que diferenças podem ser apontadas neste álbum, em relação aos anteriores?
As diferenças não serão grandes sendo que olhamos para estes três primeiros discos como parte de um ciclo. No primeiro disco Convocação, quisemos um leque de músicas mais coerente e directo, no segundo disco Música Pirata tentámos que fosse um disco mais variado em termos de géneros e arriscámos um pouco mais na composição. Neste terceiro disco Contracultura quisemos uma espécie de somatório dos dois, ou seja, um disco directo mas abrangente.

Mais uma vez, apostam numa forte apresentação do vosso produto. Podem detalhar em que consiste o pack Contracultura e que objectivo esteve na origem dessa ideia?
A parte visual dos discos em geral sempre me fascinou e não queria que isso passasse despercebido nos nossos discos. Contracultura foi o nome de um movimento que se desenvolveu nos anos 60 (na América e em algumas partes da Europa), no qual muitos jovens questionaram o poder vigente e os valores instituídos. Peguei na ideia do cartaz e do flyer através dos quais se passava informação dentro desta cultura alternativa e criei a imagem a partir disso. A caixa contém uma espécie de kit para uma nova contracultura: um poster com alguma informação, um cd com a música, um patch para cozer na roupa, um autocolante, um pin e uma palheta para tocarem. No poster vem a fotografia de várias dezenas de personalidades que de alguma forma criaram pontos de mudança. Referências para nós e que espero possam servir também de referência para quem entrar em contacto com o disco, visto estarmos a viver uma fase onde aparentemente os jovens crescem sem referências concretas.

Como já referiste, este trabalho é inspirado no movimento de contestação social dos anos 60. Mas, no actual panorama social e político, mostra-se perfeitamente actualizado. Como vêm essa situação?
Quando li um livro sobre a Contracultura achei isso mesmo e daí ter adoptado o nome. Quando o sistema político assenta acima de tudo na ideia de fabricar dinheiro, o ser humano é sempre desprezado. As governações deveriam ser feitas para melhorar as nossas condições de vida, mas o que se passa é que apenas uma muito pequena percentagem beneficia disso. Os jovens na América dos anos 60 tiveram de lutar contra a guerra do Vietname e contra a segregação racial, nós cá temos que lutar por mais igualdade e justiça social.

Voltaram a gravar nos Estúdios Crossover e com o Zé Pedro Sarrufo. Esta é uma aposta claramente ganha e para continuar?
A frase que diz que não se mexe em equipa que ganha aqui faz algum sentido. Ficámos satisfeitos com os 2 primeiros trabalhos e por isso não fazia sentido mudar no terceiro. O quarto disco vai ser para nós a entrada num novo ciclo e por isso pode fazer agora sentido mudar. Para isso acontecer têm que aparecer condições mesmo boas, pois também não vamos querer arriscar, nem gastar mais dinheiro para ter um disco de qualidade inferior. Acho que em estúdio tem que se encontrar uma grande sintonia com quem trabalha os botões, e isso entre nós e o Sarrufo. Ele conhece bem este caminho e isso pode ser meio caminho andado.

Desta vez incluíram um pequeno instrumental. Faz parte do vosso processo evolutivo enquanto compositores?
Esse tema instrumental surge como uma espécie de escape ao normal andamento de um disco de punk rock. Um descanso para o ouvido. Tem uma abordagem bem diferente do resto dos temas e foi sem dúvida uma tentativa de arriscar algo diferente e esperar um feedback. Esperar para ver se as pessoas aceitam. O que nunca quisemos foi um caminho demasiado traçado e óbvio em que à mais pequena tentativa de fazer algo diferente fossemos logo criticados. Vamos arriscar sempre qualquer co
isa. É mais interessante assim!

Fala-nos da poesia declamada no fim do último tema, quase esquecida.
Essa letra foi feita há uns bons anos e sempre esteve à espera de música... O que aconteceu foi que achei que neste disco poderia fazer uma espécie de poema musicado e declamar apenas as quadras com um ambiente como pano de fundo. Não pareceu tema para integrar o disco e por isso usámos como faixa escondida. Gosto muito do texto e tem tudo a ver com o conceito da Contracultura. É como se a vontade de criar a mudança fosse um vício, uma droga da qual nos tornamos dependentes.

Musicalmente, um dos meus temas favoritos é Chamando Urano. É algo muito diferente do que os Gazua costumam produzir. Podes descrever como surgiu a ideia e como foi crescendo?
Estando cansado de assistir a tanta injustiça aqui no planeta Terra, pensei em ir viver para o planeta Urano. Este é o tema da letra, a partir daí tentámos criar um ambiente diferente do habitual para vincar mais a ideia de estarmos noutro lugar. Tentámos também criar momentos na música que nos transportasse para algo mais espacial... como acontece na parte do solo.

Mais uma vez, os Gazua apresentam um conjunto de temas claramente voltados para serem tocados e cantados ao vivo. Por isso pergunto como está a ser preparada a agenda de promoção a Contracultura.
Essa parte é a mais complexa delas todas... A sensação que temos é que o país quer ouvir as bandas conhecidas e não dá muitas oportunidades às bandas que estão a aparecer. Não existe espírito crítico... é comer o que nos puserem no prato. A suposta crise também está condicionar os eventos culturais por todo o país e isso também não está ajudar. Dia 4 de Novembro vamos fazer um concerto especial no Musicbox em Lisboa.Vamos ver o que aparece... Felizmente existem blogs como a Via Nocturna para manter muita banda motivada. A pior coisa que uma banda pode sentir é que ninguém está a prestar atenção.

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